segunda-feira, 23 de março de 2015

Pico de poluição de partículas finas em 10 cidades francesas. Porquê?

Todo o mundo fala de Paris, mas a poluição extrema está a afetar 10 grandes cidades em França, sendo Lyon uma das principais a sufocar. A causa está no nitrato de amónio dos pesticidas da agricultura, na emissão de CO2...um caldeirão químico de partículas finas, pelo qual as autoridades sanitárias francesas e alemãs não se querem responsabilizar, nem os políticos nem ninguém.



Estamos na Europa. A poluição provoca cancro no pulmão, problemas cardiovasculares e alergias mortais aos asmáticos e imunodeficientes. Alternar o tráfego automóvel em Paris é como cultivar produtos biológicos num quintalinho e deixar o país continuar a engulir alegremente produtos absolutamente impróprios para consumo - nomeadamente através da água com que são regados. Um debate na Arte, refere várias razões para este capacete de partículas finas. A mim quer-me parecer que o individualismo francês de um condutor solitário por automóvel, a  rejeição dos automóveis híbridos (elétricos e a gasolina ou gasóleo), a péssima rede de transportes públicos (e muito poluentes), a agricultura industrial, além de pontuais fissuras em centrais nucleares, têm de ser penalizados pela UE. A ASAE não devia ser apenas portuguesa. Todos os países têm de ser eficazmente penalizados pelo desrespeito das normas, nomeadamente a França e a Alemanha que polui com a sua indústria de carbono.
Na região Rhone-Alpes, registou-se um fenómeno excecional de poluição, em dezembro, que durou 16 dias consecutivos, mas o dispositivo de alerta foi acionado 83 vezes....
A União Europeia não tolera mais do que 36 dias de poluição por ano. São as diretivas. A França negligencia todas as normas, mesmo sob a ameaça de sanções financeiras que poderiam atingir 100 milhões de euros no primeiro ano e 85 milhões nos seguintes, "se os planos de ação não permitirem respeitar rapidamente os valores regulamentares".
A Bélgica e a Holanda já foram multadas, mas o eixo franco-alemão parece incólume nesta violação permanente das diretivas europeias.
Assim, Lyon (na região de Rhone-Alpes) continua em alerta.



Uma partícula fina, de gasóleo, encontrada no cérebro de um burro, provou que as paragens cardíacas de alguns bebés franceses eram devidas à poluição . A esperança de vida de qualquer cidadão saudável diminui entre seis meses e cinco anos. Imaginem a esperança de vida de uma pessoa mais frágil! Uma partícula fina entra no sistema circulatório é absolutamente tóxica. Claro que a industrialização desenfreada, o consumismo desenfreado, o egoísmo e abstração (que levou a que só um em cada dois franceses tivesse votado, ontem, nas eleições departamentais...porque ao fim de semana os franceses têm algo contra as casas em que vivem e debandam) constituem o pano do fundo a partir do qual se podem tecer todas as considerações sobre o tema.


sábado, 7 de março de 2015

Balthazar-Gremlin


O meu rei mago Balthazar, é um gremlin

Balthazar-Gremlin não é um gato normal. Por exemplo, não “faz” patas de veludo para que ninguém o oiça porque não ouve. Não dorme como os outros gatos, com uma orelha sempre alerta para a passagem de um ratinho ou o piar de um pássaro. Simplesmente, Balthazar-Gremlin nem vai ao jardim sozinho. Aprendeu (ou ensinou) ir com uma trela para poder subir às árvores. A primeira vez foi uma descoberta:... as outras todas também, porque Balthazar não memoriza. Faz uma asneira, é punido... e repete-a vezes sem conta ao dia, à tarde e à noite. O pior, é que teme algumas expressões humanas de afecto porque “sabe” que repete as asneiras mas nunca sabe porque vai ser punido. E morde. Morde furiosamente como um ‘gremlin’. Estica as orelhas para o exterior horizontal e atira-se como um louco voador rumo a um pé ou uma mão na quietude da tarde, na tranquilidade do serão. Deixa cicatrizes e incomoda os vizinhos. Parte vasos para retirar as plantas, abre armários para subir prateleiras e saltar para o chão... excita-o a vibração do solo quando as patas batem com força, suportanto o peso do corpo cada vez mais forte e pesado. As portas dos armários são de madeira e o seu abrir e fechar ecoa no andar de baixo neste aparthotel termal... os vizinhos importam-se e queixam-se... e o gremlin adora... que fazer? Preparar o livro de cheques...
E é tão lindo! Branco como um diabinho angélico acabado de cair de um altar aos trambolhões! Já não é tão pequenino como no dia em que foi rejeitado pela mãe e encontrado na estrada em frente à redacção de um punhado de jornalistas generosamente loucos. Pensaram que era uma gatinha (era tão linda, tão linda) e a jornalista italiana que descobriu “o ser”, baptizou-o de Fortunella!
Neste preciso momento atirou-se contra um banco, debaixo da mesa do computador, que ia estilhaçando o joelho da autora, quando deslizou subitamente. Depois de cinco minutos fechado na casa de banho para acalmar, o que fez ele quando foi acariciado e liberto? Mordeu, como um furioso, a mão que o acolheu.
Okidoki” (como concorda Piotr Fyodorov, o querido jornalista russo que não entende para que servem os gatos se não os comermos, e o disse à chegada do personagem da história).
Balthazar é um ‘gremlin’ e não um gato: é surdo, hiperactivo, foi rejeitado porque a mãe gata percebe muito mais de selecção natural do que os humanos. Os olhos foram azuis durante dois meses e, depois... bem...a íris é negra, assente sobre um círculo de cor verde e o resto cor de mel. Quando “vira” gremlin, os olhos dele são completamente tomados pela pupila ficando negros como um poço sem fundo... um horror. As orelhas baixam, a cabeça gira à procura da audição que não chega de lado nenhum, os dentes afiam como os da boca de um cão raivoso e atira-se contra a presa por maior que seja, e melhor se for a ‘dona’. É sempre uma pobre alma piedosa...que repensa, depois, a eutanásia como único fim digno para tão pouco nobre besta.
Violência doméstica é pouco para caracterizar o que Balthazar abusou da mão que lhe deu de comer. Gostou tanto que a mordeu duas ou três vezes por dia durante sete meses. Aos três meses, já Balthazar abusava, também, do parceiro sexual de peluche umas seis vezes ao dia. Mas a veterinária não o podia castrar antes dos seis meses. Depois de “feita a coisa”, Balthazar goza apenas uma ou duas vezes por dia... uma anormalidade excepcional de um dos“handicaps” deste gato assassino.
Interdito de inter-actividade com outros gatos pelas ‘nuances’ comportamentais que a sua surdez hereditária acarreta foi, no entanto, sujeito a algumas condescendências por parte da “dona”. Os seus interlecutores gatos é que não perceberam. Quando lhe rosnavam, Balthazar-Gremlin brincava com eles, o que achavam ser de um snobismo estranho. Quando já se cansavam de tanto agredir, Balthazar deixava então de brincar e mordia-lhes o rabo, as patas e o focinho. A coisa acabava com uma retirada estratégica provocada pelos humanos.
Não é um gato popular, Balthazar.
Essa coisa de se atirar para os lavatórios e banheiras quando a água corre, causou inúmeros mal-entendidos. É que afinal, Balthazar-Gremlin não gosta especialmente de tomar banho (mordeu tantas vezes quanto o quis demonstrar); o que gosta é de sentir a vibração da água a passar nos canos, nomeadamente quando ela corre para a banheira, mesmo com sais de banho e outras anormalidades. Balthazar patina horrores até sair de novo com o pelo molhado e o sangue da dona a manchar o esmalte branco... e o pelo dele, claro...normalmente imaculado.
Balthazar tem, desde a nascença, as orelhas cor-de-rosa, o narizinho rosa, e mesmo as almofadinhas das patas (mortíferas) de um rosa diáfano.
Uma vez por dia, evita ser lançado do sétimo andar pela dedicada amiga humana. Tão dedicada, mas penalizada por não ter entendido os desígnios da mãe do seu querido Balthazar: uma selecção natural, simples, rápida.
Ele deve ter mordido a mãe e os irmãos até ser expulso da fraternidade e ter sido posto com uma estúpida dona com intenções de o “acolher”. Que animal! A dona, claro... porque ele já tinha sido condenado à nascença e “não acolhia nada”.

O quarto e o mundo

Estou num parque de diversões sem a minha mãe e os manos. Há um bicho gigante debaixo de uma coberta mas eu não me importo desde que ele não me incomode. Trouxe-me para aqui quando a mamã me levou a passear. Mergulhou-me na água mas eu engasguei-me. E acabou por perceber que eu queria a pipeta. Hás uns meses que bebo água pela pipeta. Já como, mas bebo pela pipeta. É um direito que me assiste. Tenho um pratinho de biscoitos e quando o bicho acorda tenho direito a coisinhas de carne molhadas e boas. Não gosto que o bicho se esconda nas cobertas e mordo-lhes os pés. Com muita força.
O tempo não passa e há umas caixas. Estrategicamente, salto de uma para outra, para a mesinha grande e estendo-me nos ‘sprints’ para fazer cócegas dentro da barriga. Não me viro sequer quando o bicho acende as luzes e me visa com os seus olhos negros de ódio. Não sei o que é isso, o ódio. Escondo-me e espero que o bicho feche os olhos e logo a seguir... lá está ele de novo a atirar-me sapatos contra o focinho. Mordo e mordo até que ele perceba que eu não sou daqui e tenho o direito de fazer o que quero se ele me obriga a continuar aqui!
Faltam-me os pelos dos manos a afocinhar na mamã e eu a mordê-los todos.
- Mamã! Onde estás?
Passam os meses e tenho apenas a Josefina (cachorra) de peluche e o Tico (gatonço), um miserável que está cada vez mais pequeno. Não percebo. A Josefina também está a encolher e não gosto nada disso. As minhas patas crescem enormemente. Porque é que eles não crescem comigo?
Mordi os fios da ‘caixa de cor que mexe’ na sala, parti dois vasos e mordi o bicho todas as vezes que pude. E o bicho meteu-me numa caixa. E vamos a algum lado.
Vá lá que a Josefina e o Tico estão comigo. Sinto a alcatifa da caixa a balançar. Que bom! Estou contente e faço umas reviravoltas com os outros dois. O bicho não gostou. Meteu-me numa banheira de uma sala adormecida. Mordi , porque o bicho não aprende que não deve incomodar. E voltei à caixa até a vibração recomeçar.
Como presente, depois de tão gloriosa viagem, apresentaram-me um tal “17”, preto e branco, pachorrento. O parvo soldado metia-se em cima da cadeira à saída do meu quarto, no hall de cima, a dar ao rabo como que a mostrar que era tudo dele. Claro que lhe mordi o rabo sempre que pude até passar eu para cima da cadeira e ele para debaixo.
O meu bicho não percebeu, bateu-me com um jornal e fechou-me no quarto.
Virei tudo o que pude, parti porcelanas e desci da varanda até ao jardim para entrar pelo ‘chalet’ e mostrar que eu também me sei defender e voltar.
O bicho abraçou-me, “estrafugou-me”de mimos, quando regressei, mas não percebeu o resto e fechou-me um pouco mais.
Claro que, com o tempo, fui sempre trepando mais prateleiras, mesmo as da cozinha, com uma enorme variedade de pratos, e atirei-me sempre de mais longe e mais alto para que as minhas ilustres patas libertassem mais força anímica no salto.
Mas, voltando atrás, havia ainda uma gata com a qual evitei cruzar-me mais do que uma vez. Posso ser surdo e um pouco “aéreo”, mas não sou parvo. A Babe é a caçadora de serviço e a chefe; não me meto com ela. Não porque não queira... mas porque o bicho não deixa.
Depois, trouxeram a minha casa uma outra a que chamavam Lucia. Apaixonei-me profundamente e demonstrei-lho, mordendo-a tantas vezes quanto consegui. A tola dava-me com a patita e fazia umas caretas que não entendi. Corria pela casa toda e eu atrás... ficou tão magrita que deixei de gostar dela. E depois o bicho levou-me a passear e deu-me um novo hotel para esquiar do topo dos armários ao espectacular chão de madeira brilhantemente encerado!
Magnânimo, condescendi, no entanto, a deixar que o bicho me passasse uma corda no pescoço e na barriga que me puxa pelas costas. Não tenho medo. Aliás, desmonstrei com os dentes, mais algumas vezes, até que me encontrei, um pouco tonto, nesse paraíso de múltiplas descobertas verdes que me fazem vibrar as narinas e estes trombones que tenho na cabeça com os pelos que me tremem até ao redor dos olhos.
Foi o início de uma longa descoberta.
Ainda hoje aprendi a fincar as unhas nas árvores e, aos saltos, abraçar todo o tronco até aos mais altos ramos. Tenho um pouco de receio quando olho para trás e sou obrigado a descer. Mas o bicho está lá e abre-me os braços num abraço que aceito– mais vale uma plataforma que um mergulho do sétimo andar.

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Epílogo

É difícil desculpar-se perante os vizinhos e pagar indemnizações por causa de um selvagem, que nem sequer é bom. Apenas custa dinheiro e não devolve um carinho.
Mas a generosidade é isto. Talvez imaginar o que o outro faz ali e o que gostaria de ter sido.
Balthazar-Gremlin não é um gato inteiro porque não se aculturou como gato e não tem humanidade nenhuma. É um gato assassino, sem verdadeiramente matar, é um gato menino, sem verdadeiramente miar. ‘Grita’ porque não mede os décibeis quando fica sozinho. Como todos os meninos, Balthazar-Gremlin sente saudade da mãe ... só que morde em vez de amar um miminho. É a sua fúria que provoca esta imensa necessidade de o proteger. Salvo aquela “uma vez por dia em que se sente a necessidade de o atirar do 7º andar”.
Mas, tal como na guerra, todos têm medo. Coragem é: lutar contra isso.
Em relação ao Gremlin: é um desespero. Coragem é: vencê-lo.

post scriptum:

Dretemmmmmtmeepummm....
uupss. Acho que fiz asneira. Quem me tira daqui????

Maria João Carvalho
&
Balthazar-Gremlin



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Rotativas está de volta

O blog Rotativas retoma o seu espaço, não diariamente, mas com assiduidade. Para obrigação já basta a de informar diariamente, analisar, fazer textos para antena, web, etc.  Este é um espaço mais íntimo: só cá vem quem quer, pelo puro prazer da partilha da escrita ou da fotografia.

Peço desculpa aos meus amigos pelo afastamento. Mas tive mesmo de fazer um interregno.

Até sempre...fica a foto do meu jardim no microparaíso de Lyon, ao amanhecer.